VIDA DE PESCADOR
“Antônio, deu duas hora;
Fui agorinha lá fora.
A estrelona já saiu”
- Diz a mulher, sacudindo
A rede onde está dormindo
O seu caboclo, com frio.
Ele acorda, preguiçoso,
Daquele sono gostoso
Que faz pena terminar.
Abre a porta do
quintal:
O vento sopra terral,
A Lua já vai sentar.
E se prepara, apressado:
Está um pouco atrasado
Pra aproveitar a maré.
Apanha remos, tarrafa,
Predispõe-se para a estafa,
Toma um gole de café.
Pega a cuia, encontra a saca
Onde bota desde faca
Até tabaco e encerado;
Ali vão sal e farinha
Pra fazer uma “boinha”,
Tem carbureto e terçado.
Chegando à beira da praia,
Com cautela (tem arraia!)
Desamarra a montaria.
Dispõe tudo direitinho
Nos bancos e, então, sozinho,
Parte rumo à pescaria.
E pelo resto do dia
Ele enfrenta maresia,
Dá murro de fazer dó!
Diz palavrão pra piranha
Que rouba isca com manha.
Revira todo o igapó!
Se estiver a maré boa,
Pescador traz na canoa
Uma bonita peixada.
Mas pode também chegar
Sem peixe algum no seu lar
Pro pirão da filharada.
É dura, meu Deus, é dura,
Incerta, braba, insegura,
A vida do pescador!
É trabalho muito estranho,
Pois nunca ele sabe o ganho
Que vai ter com seu labor.
Pescaria é distração
Pra quem tiver profissão
Que lhe permita viver.
De outro modo, minha gente,
É faina ingrata, é batente
Bem difícil de vencer.
Pra terminar, vou contando
O que me disse, brincando,
Um deles: “Sem exagero,
Nossa vida é de amargar!
Quando a gente tá de azar,
Come urubu sem tempero!”
Emir Bemerguy, 10/11/1966.
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