Ao amor que fica,
Lila Bemerguy
Hoje, 4 de março de 2013, nosso pai Emir Bemerguy faria 80 anos de vida.
Ele não ficou para a festa e partiu em novembro do ano passado. Passados pouco
mais de três meses de sua morte, embora o tempo cicatrize devagar as feridas,
ainda sofremos com a sua falta. Aos poucos a saudade não será mais doída,
sabemos. Somente boas lembranças restarão.
Lembranças que no caso dele, são feitas em versos, fotografias... tudo
bem arrumadinho por ele. Mas para uma pessoa essa ferida é maior, mais
profunda. Nossa mãe, Berenice. Com a morte do companheiro, ela ficou feito um
passarinho balado, um barco com a vela rota.
Pensando no que ia escrever nessa ocasião, só me ocorreu falar sobre
esse amor que perdura após 58 anos de convivência. Os que
amam ou já amaram, sabem o quanto o amor é um sentimento peculiar. Surge, fica,
e ao sair, deixa rastros. Ou de dor ou de saudade. O amor desses
dois, sinceramente, nunca vi tão forte. O “até que a morte os
separe” não funcionou. Ela continua a amá-lo, apaixonadamente. Chico Buarque
disse sobre a saudade do ser amado: “Oh, pedaço de mim/ oh, metade arrancada de
mim...”
Não é a toa. A vida juntos foi marcada por alegrias, e grandes
dores, como quando viram morrer a filha aos 14 anos, Telma Suely. Era criança,
mas lembro o quanto sofreram. Mas, sobretudo, o que ficou marcado em mim e nos
meus irmãos, foi o amor dos dois. Amor feito de uma rosa sob a xícara de café,
com um versinho... De um “eu te amo” escrito com batom no espelho, e de versos,
muitos versos. São incontáveis os que fez dedicados a ela.
Ele a adorava, e como é de praxe dos românticos, dizia que não merecia
mulher tão especial...Aos dez anos de casados, escreveu no diário: “És como
aquelas taças preciosas que a gente toma entre as mãos com extremo cuidado...”
O amor ficou gravado nas fotografias, nas letras. Uma das pastas das
muitas que ele organizou era toda dedicada a ela. No diário, desde os primeiros
contatos com a jovem Berenice, em 1954, na faculdade de Odontologia, já deixava
escapar o quanto era especial. E assim, foi.
Fez versos no primeiro encontro, no casamento, e a cada ano dos 58 que
passaram juntos. Era a sua musa maior: “Sou poeta, mas sem esse seu jeitinho
encantador de ser mulher, sem esse andar miúdo e gracioso, sem os olhos
bonitos que esparramam luar em minha trajetória de errante peregrino...eu não
sentiria no fundo d’alma a inspiração de onde emergem tantos poemas e
canções...”
Certa vez, em uma viagem de mamãe à Belém, ele disse: “Ela passará
somente quatro dias afastada e meu coração já está deste tamanhinho...”E
tinham dezenove anos de casados! Nem em Paris ele a esqueceu. Escreveu lá
o “Pobre poema de Paris”: “Adeus minha Berenice! Só não morro por um triz! Deus
confirma o que eu te disse: Sem ti, esqueço Paris!” Era 12/06/1997, dia dos
namorados.
A canção
diz que a vida é pequena para tanto amor. Viveriam eles mais 50, 100 anos
juntos, se a vida assim fosse. É em nome desse amor que presto essa homenagem
aos 80 anos desse pai, que se estivesse por aqui receberia dela um abraço
carinhoso. Como presente, o que podemos te dar hoje é a promessa de cuidar de
tua jóia mais preciosa com todo o amor do mundo. E dizer que ela não te
esqueceu.
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