segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Fantasmas pastando...



FANTASMAS PASTANDO...

“Tal é o destino dos que em si confiam: um rebanho recolhido ao cemitério, que a Morte leva a pastar...” - Salmo 48,15

Quando visito cemitérios, passo longos momentos pensando na multidão que, até ao toque da trombeta final, se esconde sob os meus pés. E não consigo fugir da implacável certeza: logo mais - hoje mesmo, amanhã ou daqui a uma década - também eu terei naufragado nesse mar de sete palmos...­
Ao deparar com o versículo que abre esta página, reagi como se ele funcionasse à semelhança de uma espoleta, deflagrando em meu cérebro súbitas associações de idéias. Esquisito, não é? Os defuntos são vistos como um rebanho que a Morte leva a pastar nas alamedas do cemitério...­
A veia do poeta surge na porta: vejo intermináveis manadas de vultos fantasmais percorrendo o Campo Santo no silêncio sinistro de noites enluaradas... Imagino os magnatas de outrora, os deuses de ontem, os mendigos e os reis - todos, lado a lado, absolutamente iguais e esqueléticos, atendendo aos acenos orientadores da Megera que os conduz. E calculo a extensão do arrependimento dos que dissiparam a vida... Penso nas dimensões eternais da alegria daqueles que consumiram os seus anos fazendo o bem...­­
A Morte... Nenhuma outra meditação pode ser tão proveitosa como o hábito de se refletir, todos os dias, sobre o fim de tudo... sobre o começo de tudo... Mas, tragicamente, a maioria dos homens recusa-se a isso - por medo, por “arejamento mental” ou pela ilusão de que a ciência dará um jeito de não se morrer mais...
Medalhas... Diplomas... Fortunas... Glórias... Amores... Pompas... Mesquinharias... Grandezas... Concupiscências... Invejas... Ruindades... Tudo, tudo recolhido ao cemitério, como se atira sucata num depósito!... O que parecia eterno, durou um fugaz momento: vinte anos... meio século... E agora? E agora, José!...
Juízo, meu irmão! Não nos esqueçamos em momento algum: somos pó e ao pó retornaremos a qualquer instante! Procuremos viver de tal modo que desse pó imundo possa voar ao céu uma alma santa, que não teme o Tribunal de Deus! Impossível? Humanamente, sim. Mas a graça divina é “infinitamente capaz de nos dar muito além do que pedimos e imaginamos”, como lembra o Apóstolo. Dizendo de outra maneira: Cristo fecunda a nossa esterilidade se abrirmos o coração a Ele! E tudo fica tão fácil!­­

(Emir Bemerguy – “Sementes para Passarinhos - Meditações” – 1975) 

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