domingo, 2 de dezembro de 2012

A Seresta

  Texto retirado do blog "O Mocorongo", de Ércio Bemerguy:

UMA SERENATA PARA O DR. EMIR 
(Por José Wilson Malheiros)

Esta me foi contada pelo Emir.
Quando mais novo, ele adorava pescarias e fazia serenatas (bem comportadas, por sinal).
Sei que era fã do Nelson Gonçalves, do Dilermando Reis, do Laudelino, do Machadinho e de outros seresteiros competentes.
Inesquecível o seu programa na rádio, o "Poemas e Canções".
Pois bem, certo jovem, sabendo que ele gostava de serestas, prometeu que na primeira noite de luar, iria levar alguns amigos para tocarem violão ao pé da janela do poeta.
Não havia luz na cidade, mas a noite seguia embalada pelas asas da Lua, que escrevia com letras de prata a paisagem mocoronga.
Lá pelas tantas da madrugada, Emir é acordado pelos os acordes maravilhosos de um violão, que coloriam a quietude da noite.
Pelas músicas que estavam tocando, o violonista era um virtuose e estava apaixonado.
Ele ficou sentado na cama extasiado com o romance daquelas notas musicais que embalavam a madrugada, sem vontade de se levantar, abrir a janela para ver quem era o artista.
Depois de algum tempo, quase hipnotizado pelas melodias, seu coração começou a sonhar.... versos dançavam na sua inspiração, canções pediam para serem compostas...
Então, Emir resolveu abrir a janela, de mansinho... tomando o cuidado para não ser visto. Levou um susto enorme e o encanto acabou-se.
Sobre a calçada, uma vitrolinha de pilha, plebéia, daquelas que antigamente em Santarém se comprava da Zona Franca de Manaus, tocava toda orgulhosa um LP do Dilermando Reis.
O poeta, então, fechou a janela com cuidado, ajeitou a blusa de pijama, deitou-se, outra vez, na cama e foi dormir.
Jamais reclamou daquele concerto, para não estragar os sonhos dos rapazes...
Assim era Emir Bemerguy
=====

MAL  SEM CURA
 
Quando cintila em céu formoso a Lua,
Como se pedra preciosa fosse,
No coração da gente se insinua
Uma tristeza estranhamente doce.

Sempre gostei de, em meio à madrugada,
Escutar as românticas batidas
De um violão na rua enluarada,
A pontear canções enternecidas.

Ouvindo a voz bonita do cantor, 
Não posso reprimir reminiscências:
Do fundo d'alma emergem, já sem dor,
Recordações de lacrimais ausências...

Abro a janela e vejo: alguém acena
Ao trovador, detrás de uma vidraça...
Lá fora esplende a noite santarena
- Linda, meu Deus!... - E a serenata passa...

É tentação demais!... O mal antigo
Da boemia em mim se manifesta...
Não me contenho: o pinho vai comigo,
E eu me incorporo, eufórico, à seresta!...
 
(Emir Bemerguy - julho de 1968 - poema dedicado "aos caros amigos Edenmar Machado e Laudelino Silva")

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