A LIÇÃO DO ARAÇAZEIRO DEITADO
“Eu sou a Videira, vós
sois os ramos. Aquele que permanece em Mim e Eu nele, produz muito fruto,
porque, sem Mim, nada podeis fazer.” - João 15,5
Hoje eu tive ocasião de meditar sobre esta passagem
evangélica, e o fiz dentro de minha canoa, durante uma pescaria. Foi assim.
Eu passava por uma área do litoral da cidade quando tive a
atenção despertada por um frondoso araçazeiro que, aliás, me era algo familiar,
pois já o vira outras vezes. Nunca, entretanto, o havia observado bem de perto.
Fiquei surpreso ante a excepcional quantidade dos frutinhos
que desabrochavam em todos os galhos. Percebi, então, o prodígio: aquela árvore
tão viçosa estava deitada, caída, no chão!... Fiz um emocionado exame em seu
caule e verifiquei o seguinte: o vegetal desabara, um dia, mas uns fragmentos
de suas raízes ficaram presos ao solo. Desses restinhos de vida, a planta se
nutrira, novas raízes foram surgindo e eu desfrutava, no banco da montaria, de
um espetáculo fantástico.
Logo fiz a fácil e evidente analogia: as palavras de Jesus me
vieram à mente - Videira e ramos. E enquanto a canoa descia, de bubuia, no meu
Tapajós azul, eu pensava na vida...
Aquele pé de araçá tinha sobrevivido galhardamente porque
não se interrompera sua união com a mãe-terra. Era unicamente por isso que,
mesmo prostrado, em posição horizontal muito desconfortável, emitia galhos para
o alto e frutificava abundantemente, dando um “show” de exuberância e fartura.
Houvesse, porém, ocorrido o rompimento com o solo, em pouco tempo a bela planta
estaria seca, irremediavelmente morta.
Pensei nos doentes, nos sofredores, em nossas cruzes diárias...
Senti, mais uma vez, a eterna atualidade do Evangelho de Jesus. Unidos a ele,
sempre, sempre estaremos produzindo frutos. Mesmo num leito de dores, ainda que
tudo pareça negro e perdido, se persistir a vinculação do galho com a Videira,
o testemunho será impressionante. Os homens ficarão deslumbrados ante a
grandeza do mártir, ante a valentia espiritual de um corpo em ruínas. Os
crentes sentirão sua fé revigorada. Os ímpios se abalarão, começando a crer.
Que magnífico e extraordinário araçazeiro!... Aquela árvore
deveria virar estátua pelo sublime estímulo que fornece a quantos “têm olhos
para ver e ouvidos para ouvir”.
(Emir Bemerguy – “Sementes para Passarinhos - Meditações” – 1975)
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