quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O espelhinho de cristal



Este envelope, o espelhinho, e o seu verso, onde se vê a foto de Getúlio Vargas, foram os meios originais através dos quais meu pai declarou seu amor pela minha mãe no dia 14 de junho de 1954, às 08:00 horas da noite. Eles estudavam juntos na Faculdade de Odontologia do Pará, gostavam um do outro, mas nenhum dos dois tinha coragem de declarar seu amor. Meu pai comprou o espelho, colocou-o no envelope e o entregou a minha mãe, que, segundo papai, empalideceu ao ler o que estava escrito no envelope. Ao pegar o espelho, ela primeiro viu a foto do Getúlio Vargas, o que foi motivo de brincadeiras entre os dois por toda a vida. Quando ela se viu refletida no espelho, um grande sorriso aflorou em seu rosto. Dois dias depois, ela deu a meu pai uma foto dela com uma dedicatória em que também declarava seu amor. Este amor que, quase 60 anos depois, até a morte de meu pai,  eu meus irmãos fomos testemunhas de que permaneceu firme e forte. Mamãe guarda o espelho e o envelope até hoje. Meu pai contou, de maneira poética, o episódio, em um soneto que fez em 1968, que transcrevo abaixo:

ESPELHO DE CRISTAL

Era de ver-se a minha hesitação
Na doce-amarga fase que precede
O instante da amorosa confissão
Que a timidez paralisante impede.

Meu peito transformara-se na sede
Das inquietudes líricas que vão
Crescendo sempre, até que, enfim, se hospede
Um duradouro amor no coração

Mas o retrato da mulher amada,
Trêmulo, embora, em suas mãos de fada
Depus, um dia, de forma original:

Do brinde o laço azul ela desfez,
E achou, presa de intensa palidez,
Um pequeno espelho de cristal!...

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