sexta-feira, 1 de março de 2013

O Natal dos cinco cruzeiros

O texto abaixo foi escrito por meu irmão Lúcio Bemerguy, e entregue aos meus pais no Natal de 2001. Ele relata um episódio que mostra aquilo que passamos a vida inteira vendo: mesmo em dificuldades financeiras, meu pai e minha mãe sempre ajudaram aos necessitados que batiam em nossa porta. Até em sua profissão, de dentistas, boa parte dos atendimentos era papa pessoas que não tinham a menor condição de pagar. Ainda hoje, de vez em quando encontramos pessoas que foram ajudadas por eles, e seu depoimento sempre nos emociona e acrescenta novos capítulos às lições de vida que recebemos em nossa casa.


O NATAL DOS CINCO CRUZEIROS
Em uma noite agradável na vila de Alter do Chão, estávamos sentados, eu, Patrícia, Tiago e Telma, há uns quatro ou cinco anos. As crianças terminavam um lanche e como aproximava-se a hora de irem dormir, adiantei-me em pedir a conta. Quando o garçom se aproximou, notei que o mesmo nos observava com alguma curiosidade. Seguiu-se mais ou menos o seguinte diálogo:
- Posso lhe perguntar uma coisa?
- Claro.
- O senhor é filho do seu Emir e da dona Berenice?
- Sim, sou.
- Quando eu lhe vi aqui, pedi ao outro garçom para trocar comigo, pois queria ter o prazer de atender alguém da tua família.
Diante da minha curiosidade, continuou:
- Tu não te lembras de mim? Eu vendia garrafa e vassoura e sempre passava pela casa de teus pais para...
- Lembrei! Tu não eras bem lourinho e tinha outros irmãos parecidos contigo?
- Isso. Era eu e mais cinco irmãos homens e quatro mulheres. Lá em casa, brigávamos para ir na tua casa oferecer vassoura, pois várias vezes aconteceu de ser aquela a única chance de comermos alguma coisa no dia, pois tua mãe sempre dava um jeito de nos alimentar. E olha... isso não foi só uma ou duas vezes, foi durante toda a nossa infância. Só que uma vez, aconteceu uma coisa que eu nunca vou me esquecer...
Com os olhos lacrimosos, continuou:
- Era véspera de Natal. Não tínhamos nada em casa. Quando eu digo nada, é nada mesmo, pois parece que todos se uniram pra dizer NÃO. Eu e meus irmãos não vendemos nada, e estávamos com muita fome. Resolvemos sair para pedir comida nas casas próximas. Não conseguimos nada, pois nossos vizinhos também passavam necessidade. Resolvemos ir andando para o centro da cidade pedir em algumas casas onde vendíamos as vassouras e as garrafas, mas sempre acontecia alguma coisa: ou a casa estava fechada ou os donos não estavam em casa. Já era quase fim da tarde e não sabíamos o que fazer. Foi aí que chegamos na tua casa. Tua mãe nos recebeu e nos deu a nossa primeira refeição daquele dia e, enquanto comíamos, nos perguntou sobre como seria o Natal em nossa casa. Contamos o que estava acontecendo, e ela pediu para esperarmos um pouco e entrou. Depois, veio junto com teu pai, que conversou com a gente sobre a sinceridade do que estávamos falando. Após nos ouvir com atenção, nos entregou uma nota de cinco cruzeiros para levarmos para casa e fazermos nosso almoço de Natal. À partir desse dia, teu pai ficou conhecido lá em casa como “o homem dos cinco cruzeiros do Natal”, pois durante toda a infância, minha e de meus irmãos, nunca tivemos um almoço de Natal igual àquele.
não era só dos olhos do rapaz que brotavam lágrimas, pois se esse gesto lhe pareceu grandioso, imagine se soubesse, como hoje eu sei, das dificuldades financeiras que meus pais passavam, mesmo nessa época de Natal. Da luta e das renúncias para agradar a cada um de nós com alguns presentes, que tanto feriam o apertadíssimo orçamento doméstico. Após as despedidas com o garçom, que me deu um forte abraço e me desejou felicidades, fiquei pensando algumas coisas, enquanto caminhávamos. Pensando que aquele rapaz tirou de um gesto de meus pais uma lição para sua vida. Pensando que eu tive a oportunidade de ter uma lição dessas a cada dia, pois sendo seu filho foi exatamente isso que eu tive, uma lição de vida a cada dia.
Feliz Natal, papai e mamãe!
(Lúcio Bemerguy - Natal de 2001)

2 comentários:

  1. Amigos Emir e Lucinho,

    Li o texto e fiquei profundamente emocionado... Muitíssimo obrigado por vocês compartilharem essa bela história do Dr. Emir.

    Abraços fraternos,

    Samuca

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  2. Comentar como e prá quê, se tudo já foi dito ???!!!

    Saudações Tapajônicas,

    Nilson Vieira

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